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PROPAGAÇÃO

quinta-feira, 7 de julho de 2011

CONVERSA COM A ESTANTE




- Hei, pare um pouco de teclar, e olhe para mim.

- Ah, é você, estante? Tudo bem, minha amiga? Algo que a preocupa? O peso dos livros? Alguma poeira?

- Não! Está faltando um pouco de sua atenção. Sinto-me algo esquecida. Antigamente, você parava na minha frente, olhava os livros com um brilho no olhar, pegava um deles com cuidado, sentava-se e começava a ler. Hoje isto é tão raro. Não sou ciumenta, mas esta internet está desviando sua atenção dos livros, e o encanto que eles trazem. Eu sempre me sentia orgulhosa de sustentá-los, e cada livro que chegava eu ficava exultante. Ficava olhando você passar os dedos sobre o papel, quase que sabia o que estava lendo. Um sorriso nos seus lábios quando lia algo engraçado, um franzir de cenho quando algo o perturbava, um quase marejar de lágrimas quando se emocionava. Não sente falta disto?

- Verdade, minha amiga. A internet disponibiliza tanta informação, que às vezes me perco. Sabia que há livros inteiros para se ler na telinha? Você que me acompanha há tanto tempo, sabe como tudo começou. Os livros de infância me remetiam a voos que eu não conhecia. O início com os irmãos Grimm e Hans Christian Andersen. Depois veio Monteiro Lobato, onde perdia, ou melhor, ganhava, horas acompanhando as aventuras de Pedrinho, Narizinho, Emília. Adorava também Mark Twain, onde Tom Sawyer e Huckleberry Finn tinham aventuras em que eu os acompanhava na imaginação, na beira do Mississipi.

- Sim. Depois eu me lembro quando você foi ficando adolescente. Lia os livros de Tarzan, que enfrentava todos os perigos e era amigo de leões, ele que fora criado por macacos. Ou como você torcia por Robin Hood, para poder ficar ao lado dos mais fracos contra os poderosos. E como fiquei feliz ao receber toda uma coleção de livros de capas muito brancas, contendo obras dos ganhadores de prêmio Nobel. Escritores como John Steinbeck, Ernest Hemingway, Thomas Mann, Hermann Hesse, William Faulkner, começaram a fazer parte de sua vida e formação.

- Boas lembranças, estante. Depois vieram os policiais. O elegante ladrão Arsène Lupin; os esforçados delegados do 86º Distrito Policial; o detetive Shell Scott, com seu cabelo branco, cortado à escovinha, e faltando um pedaço de lóbulo na orelha, e que ganhava todas as mulheres. Foram ancestrais ao 007, as aventuras com o nosso herói Bond, James Bond.

- É... E começaram suas leituras, digamos, sensuais. Madame Bovary, de Flaubert; O Amante de Lady Chatterley, de D. H. Lawrence; até livros que eu corava de vergonha, como a trilogia de Henry Miller. Você sumia com estes livros do quarto, e reaparecia meio cansado. Desculpe, não pude conter meu riso.

- Rindo também, estante. Você sempre foi muito observadora. Mas tudo isto faz parte da adolescência, e foram uma porta importante para adentrar a fase de adulto. Foram tempos que eu gostava de Jorge Amado, com o sensualismo de suas mulheres e a saga de seu protagonistas em terras em que os coronéis mandavam. Assim como Érico Veríssimo, que me ensinou a entender o espírito bravo e lutador do gaúcho. E a força da mulher.

- Em uma certa época, vieram os livros técnicos, que eu, como estante, pouco entendia, sobre química, matemática, estatística. Mas vinham mesclados de livros que me deixavam também com a atenção pregada, como os de Mario Puzo, com suas histórias sobre gangsters. Ou quando você começou a namorar, e lia Vinicius, Drummond, Neruda.

- Estante, esta nossa conversa vai longe. É melhor retomarmos outro dia. Prometo que não deixarei de olhar para você diariamente. Tirar um livro e degustar cada palavra.

- Está bem, meu amigo. Você me deixará muito feliz. Espero você para retomarmos nossas lembranças.


Crônica de - Thomaz Lowenthal
Mensagens - 73/51 e bons contatos...



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