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PROPAGAÇÃO

domingo, 25 de dezembro de 2011

O PRISIONEIRO



Certa vez, eu estava num povoado muito importante perto da fronteira. Era um dia de casamento. Acabara de abençoar o último dos 14 casamentos em 48 horas.. Houve até um bom jantar e... para regar o jantar, serviram chicha. O que é a chicha? É uma bebida fermentada feita com milho macerado. Ela é tão boa que quanto mais se bebe, mais se quer beber. E beberam muito. Quase a totalidade dos habitantes do povoado era composta pelos bons índios chiquitos, dóceis, pacíficos e cristãos.
E todos aqueles índios eram domésticos, isto é, como dizem por lá, eram camaradas de seu patrão. O que quer dizer a palavra “camarada”? O camarada é um indivíduo que pediu emprestada uma soma qualquer de dinheiro, prometendo pagá-la com seu trabalho. Eu precisava partir para outro povoado e os índios ficavam ao meu redor, falantes, perguntando quando eu voltaria para vê-los. De repente, escuto uma voz firme: era o chefe todo-poderoso de um povoado vizinho que se dirigia a um de seus camaradas, um jovem índio de uns 20 anos.
Este, tímido, abaixa a cabeça, mas, entre dentes, murmura palavras cujo sentido desconheço.
– Que crime cometeu este índio? perguntei ao vizinho.
– Queria trocar de patrão. O seu não estava agradando e ele queria trabalhar aqui.
– E depois, o que vão fazer com ele?
– Nunca se sabe, disse meu interlocutor com um gesto que significava que tudo era possível.!
Exatamente uma hora depois, eu passava diante da porta de sua casa. Não devia parar, eu sabia, mas queria saber de qualquer jeito o que tinha acontecido com o índio. Pulo do meu cavalo e vejo, dentro da casa, bem perto da porta, o índio sentado num banquinho. Entro. Uma comprida corda de couro lhe envolve o peito e, apertando as mãos contra as costas, vai terminar no teto, onde está firmemente presa.
Sozinho com o índio, me aproximei dele.
– Olhe para mim, eu lhe disse, você sabe que gosto de você. Por que está com vergonha?
Você não é um criminoso, é uma pessoa boa. Vai, olhe para mim. Ele ainda resiste.
– Então, você não quer ficar aqui? Ele faz um não com a cabeça.
– Como sendo casado e tendo um filho você se deixa prender? Vai acabar apanhando e, talvez, num momento de raiva, se deixar matar pelo patrão? Um moço tão bom como você? Escute, vamos fazer um trato.
Você promete ficar com seu patrão e obedecer a ele, e eu prometo que vou dar um jeito para que o libertem já e vou falar com seu patrão para que não o castigue. Quando ele chegar, você estará livre e voltará para sua casa.
– Ele não vai querer! Disse o índio.
– Ele vai querer. Vou fazer a minha parte. E você promete ficar?
– Sim.
Logo uma empregada me trouxe o café fumegante. O boliviano, evidentemente, não queria aparecer. Espero em vão. Então peço que a empregada o chame. Ele vem sem pressa. Diante de mim, fica vermelho, quase tremendo e mudo.
– Pedi que o chamassem para lhe dizer, em primeiro lugar, que este moço prometeu ficar com seu patrão e obedecer a ele e, depois, que eu lhe prometi um perdão completo. Quando seu patrão chegar, você lhe diz que o padre Barbabranca parou um pouco em sua casa, que viu o jovem índio amarrado e o fez prometer que ficaria; e que por sua vez, o padre Barbabranca lhe pede de perdoar o moço e não lhe dar nenhum castigo. Entendeu? Nenhum castigo! Não quero nem que lhe dirijam uma só palavra de reprimenda.
Você vai lhe dizer isso, não vai?
– Vou sim, respondeu o boliviano.
– Muito bem! E agora, você vai desamarrar o prisioneiro!
– Não, não! Não posso! gritou.
– Mas claro! É tão fácil! E ele não vai fugir. E se fugir, sou eu quem vou pagar. Desamarre! Caso contrário, desamarro eu mesmo. Afinal eu sou seu pároco e pároco do índio e também do seu patrão. E estou falando como padre e como amigo de seu patrão. Desamarre o prisioneiro! Com a mão tremendo, o boliviano desfez os nós que havia feito. O índio, agora livre, não ousa sequer se levantar.
– Levante-se, eu lhe disse, pode andar pela sala.
Mas não saia até a chegada de seu patrão. Ele não vai brigar com você. Fique tranqüilo e mantenha sua palavra. Bom moço. Ficou de pé, a cabeça reta, o sorriso nos lábios. Com as mãos, limpa as últimas lágrimas, como para melhor me ver. Sua alegria me faz tanto bem! Leve, monto na sela para continuar meu caminho e durante um bom tempo cantei louvores a Deus. Dois anos mais tarde, passando pelo mesmo caminho, cruzo com um índio conduzindo um carro. Acho que o reconheço. Ele também, porque deixou seus bois e tirando o chapéu, veio em minha direção sorrindo.


(P. Jean-Louis Bourdoux, Histoires du Père Barbabranca)


MENSAGEM - 73/51 e Deus o abençõe!

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